Charuto da Bahia

Produtores do Recôncavo Baiano querem harmonizar fumo com café, cachaça e chocolate para vender mais

Mário Bittencourt Colaboração para o UOL, em Cachoeira (BA)
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Mistura que dá samba

Charuto vai bem com café, cachaça e chocolate. A ideia de harmonizar diferentes especialidades fabricadas na Bahia partiu dos produtores de charuto, numa tentativa de impulsionar o consumo. A campanha foi lançada no começo de dezembro, em Cachoeira (110 km de Salvador). 

Mais de 85% da produção de tabaco para charuto no Brasil é de origem baiana, e o restante é produzido em Alagoas, como fumo picado, diz o Sinditabaco (Sindicato da Indústria de Tabaco do Estado da Bahia).

Ainda segundo o sindicato, dos 10 charutos apontados pela revista especializada "Cigar Journal" como os melhores do mundo, todos levam o tabaco baiano em alguma parte –seja na capa (folha de tabaco que envolve o charuto), capote (folha que envolve o miolo) ou enchimento (cinco ou seis folhas de tabaco que compõem o miolo do charuto).

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Produção em queda

O tabaco para charuto é produzido em 23 cidades do Recôncavo Baiano e reconhecido mundialmente, sobretudo o do tipo Mata Fina.

O auge do setor na Bahia foi em 1910, quando a produção de folha de tabaco chegou a 30.734 toneladas. Segundo os produtores, a competição com o cigarro, barreiras tarifárias e campanhas antifumo, porém, fizeram a produção despencar para 2.060 toneladas em 2010 --nível semelhante ao da época colonial.

O setor do tabaco vem se reerguendo, mas ainda temos muitos problemas para enfrentar, sobretudo com governo, que proibiu a propaganda e impõe altas taxas de impostos, o que nos faz menos competitivos em relação a outros países produtores, como Cuba.

Marcos Augusto Souza, diretor do Sinditabaco na Bahia

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Maior parte vai para fora

A produção atual é de 4.000 toneladas de folha in natura, a grande maioria (97%) destinada à exportação. Também são produzidos 13 milhões de unidades de charuto premium artesanais, 60% deles para serem exportados, sobretudo para a Alemanha. Outros destinos são China, América do Norte e Oriente Médio.

A indústria gera 5.000 empregos diretos e indiretos na região. A maior parte da mão de obra é composta por mulheres, quase todas negras. Há ainda cerca de 2.300 famílias que cultivam o tabaco em suas propriedades.

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Cliente cortou gasto de R$ 5.000 para R$ 2.500

"Em São Paulo, as pessoas costumam fazer harmonizações com vinho, uísque e cerveja, ou outras comidas, principalmente massas", diz Paulo Gama Alves, dono da Tabacaria Lee, que possui quatro unidades. Ele atua há 23 anos no ramo. Ele diz que sentiu no bolso os efeitos da crise econômica.

Há dois anos, eu tinha clientes que consumiam R$ 5.000 por mês, mas com a crise passaram a consumir R$ 3.000, R$ 2.500.

Paulo Gama Alves, dono da Tabacaria Lee

No ramo há apenas um ano, a Casa Murdok busca atrair clientes unindo tabacaria, barbearia e pub no bairro de Moema, zona sul de São Paulo. Gerente da tabacaria, Arthur Awdissian (na foto) vem praticando harmonizações com bebidas.

"Temos realizado eventos de harmonizações e isso tem dado muito certo. A ideia é oferecer opções de harmonizações cada vez mais variadas e com produtos de qualidade."

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Dicas para harmonizar

Veja algumas dicas do sommelier Cesar Adames, que estudou o universo das bebidas destiladas em Londres, dá aulas em cursos de gastronomia e já foi jurado do Habanos Sommelier, concurso mundial feito todo ano em Cuba.

Charuto com café

Para harmonizar charuto com café, a bebida nunca deve estar quente demais. "Assim como a cerveja, que com 4ºC perde um pouco o sabor, é difícil saborear o café a temperaturas altas", diz. 

O ideal é esperar a temperatura do café baixar mais um pouco. Vai fumando enquanto aguarda a temperatura abaixar, sente o sabor do charuto, aí dá uns três goles no café, aprecia o sabor, deixa-o circular na boca, depois fuma, para os dois juntos formarem um sabor só e harmonizar.

Charuto com chocolate

Ele aconselha a evitar produtos cuja concentração seja baixa ou alta demais, para que o sabor de um não se sobreponha ao do outro --por exemplo, um chocolate 90% cacau. 

Para os iniciantes, diz que o consumo do charuto é dividido em três fases: primeiro, segundo e terceiro terço. A concentração de sabores aumenta à medida que ele é queimado. Apenas no caso dos charutos menores, do tamanho de cigarrilhas, o consumo é por igual.

"Assim, o chocolate com 44% de cacau, mais leve e doce, harmoniza quando se está começando a fumar o charuto. Já o [chocolate com] 88% [de cacau] deixa para consumir quando o charuto estiver no final", diz Adames. "Não se deve mastigar o chocolate, tem de esperar que ele derreta na boca."

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R$ 10 mil no vinho, R$ 10 mil no charuto

Único brasileiro a conquistar o prêmio Habanos Sommelier, em 2015, o advogado paulista Walter Saes diz que a harmonização também depende do tipo de charuto e da qualidade com que é feito. "Um charuto com mais tempo de envelhecimento vai dar um sabor mais forte."

Especializado em charutos e bebidas, o sommelier diz que já pagou R$ 10 mil por uma garrafa de vinho do Porto de 1912, para harmonizar com charutos cubanos Cohiba Gran Reserva, considerado um dos melhores do mundo, e cuja caixa com 25 unidades custou outros R$ 10 mil.

O ideal da harmonização é também se sentir livre para experimentações, e estou sempre fazendo as minhas.
 

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Começou aos 18, está com 92

Walter Lima conta que começou a dar as primeiras pitadas aos 18 anos. Hoje tem 92, mas aparenta no máximo 70. "Meu médico me disse esses dias que estou ótimo, sem problema algum. Está tudo controlado."

Ele diz que fuma atualmente três charutos por dia, na maioria das vezes acompanhado de um bom café.

Nunca gostei de cigarro e não bebo álcool. Gosto de tomar café para fumar. Charuto bom é forte, com gosto mais encorpado, desses que gosto.

Viúvo há sete meses, "seu Walter" trabalhou por décadas em empresas da região, sendo a principal delas a Dannemann, onde foi motorista e mecânico.

Quanto comecei, era tanta gente que trabalhava na empresa que, quando passavam para ir para a fábrica, parecia uma procissão de religiosos.

Ele diz que nunca apreciou os charutos cubanos e que, ao viver por alguns anos nos Estados Unidos, também criou gosto pelos cachimbos. "Tenho 15 cachimbos de luxo em casa."

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Fazendo charuto desde 1872

Sediada em São Félix, a Dannemann é a mais antiga fábrica de charutos do Brasil, fundada pelo alemão Gerhard Dannemann, em 1872. Chegou a ter 4.000 empregados nos tempos áureos. Hoje, são 100. Atualmente, é controlada pelo grupo suíço Burger Söhne.

Produz hoje 150 mil charutos especiais em uma área de 1.000 hectares. Especializou-se tanto na produção a ponto de ter a própria semente. Na fazenda, são produzidas 10 milhões de mudas de tabaco por ano. 

Parte da produção da folha in natura é para capas de charutos que são exportadas para a Europa.

Posso afirmar sem medo que aqui produzimos a melhor capa do tipo Sumatra do mundo.

Geraldo Meneses, diretor da empresa.

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Quem é o fumante

Segundo o Sinditabaco, o público que fuma charuto no Brasil hoje tem mais de 30 anos. São pessoas com mais experiência de vida e que podem bancar o próprio consumo.

O preço da unidade do charuto em tabacarias como Lee e Murdok, por exemplo, varia de R$ 25 a R$ 450. Os mais caros são os cubanos.

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Riscos à saúde

Defensores do charuto defendem que seu consumo causa menos danos à saúde que o cigarro por dois motivos: a pessoa tende a consumir uma quantidade menor, até pelo alto custo, e o fumante não inala a fumaça, como ocorre com o cigarro.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) discorda, e diz que "os charutos são muito tóxicos, assim como os cigarros".

"A diferença é que há doenças mais associadas a cigarros, como enfisema pulmonar, e outras a charutos, como câncer de boca, de língua, garganta e esôfago. Estudo desenvolvido nos Estados Unidos verificou que fumantes de charutos têm risco duas vezes maior de desenvolver câncer de pulmão que não-fumantes."

(...) o fumante de charutos geralmente não traga a fumaça, que é mais irritante que a fumaça de cigarro, mas a mantém por mais tempo na boca, onde os compostos tóxicos e cancerígenos são mais absorvidos.

Um charuto contém entre 5 e 17 gramas de tabaco e um cigarro contém, em média, 0,8 a 1 grama, afirma a Anvisa. "Por isso, os teores dos compostos tóxicos e cancerígenos são também maiores. Um cigarro contém cerca de 1 mg de nicotina, enquanto que um charuto de marca popular, entre 100 e 200 mg de nicotina, já tendo sido encontrado charutos com 444mg." 

A nicotina na fumaça de um único charuto pode ser comparável a um cigarro e até um maço ou mais de cigarros, diz a agência.

Fumar um charuto pode equivaler a fumar 20 cigarros.

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