Como fazer seu pé de meia

Quer se aposentar bem aos 65? Saiba quanto precisa poupar e como fazer isso com títulos do Tesouro

Téo Takar Colaboração para o UOL, em São Paulo
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Diante das mudanças propostas na reforma da Previdência, o brasileiro terá que fazer um esforço maior e poupar mais se quiser garantir uma aposentadoria com valor próximo ao salário da fase ativa. Isso vale especialmente para as pessoas que recebem acima do teto do INSS, hoje na casa dos R$ 5.500.

A proposta ainda está parada no Congresso, mas especialistas já dão como certo que a maioria das pessoas terá que trabalhar até os 65 anos para poder receber algum benefício do INSS.

Trabalhar mais para receber menos com certeza não é o sonho de aposentadoria de ninguém. O UOL pediu ajuda a José Faria Junior, planejador financeiro membro da Planejar (Associação Brasileira de Planejadores Financeiros). 

Ele traçou uma estratégia para que você possa aproveitar a velhice com um padrão de vida próximo ao que terá quando se aposentar, aos 65 anos. A ideia é que você comece a economizar parte da sua renda, de acordo com sua idade atual, e aplique esse dinheiro em títulos do Tesouro Direto, garantindo um retorno mínimo do investimento que bancará sua aposentadoria. 

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Quanto eu preciso juntar para me aposentar aos 65 anos?

"Essa é uma pergunta difícil de responder. Depende de uma série de variáveis econômicas, de mudanças de hábitos da pessoa conforme chega a velhice, de imprevistos que acontecem ao longo da vida", diz o planejador financeiro José Faria Junior.

Apesar da complexidade dos cálculos, o especialista utiliza uma regra simples, desenvolvida pela área de produtos de investimento do Itaú Unibanco, que permite estimar o valor necessário para se aposentar com relativa margem de segurança: a "regra do 1,3,6,9". Veja a tabela abaixo.

"Se você conseguir chegar aos 65 anos tendo acumulado o equivalente a nove anos do seu salário, provavelmente você conseguirá viver toda sua aposentadoria com 80% da renda que recebia quando trabalhava", diz Faria Junior.

Em um exemplo prático, uma pessoa que chegar aos 65 anos ganhando R$ 5.000 por mês deverá ter acumulado R$ 540 mil (que é o resultado da conta R$ 5.000 vezes 12 meses vezes 9 anos) ao longo da vida, considerando os aportes mensais e os juros. A partir daí, conseguirá se aposentar e viver com R$ 4.000 (80% dos R$ 5.000) mensais por até 26 anos.

"Esse prazo de 26 anos é matemático. Considera que o valor acumulado até os 65 anos continuará rendendo juros até acabar, e que você sacará todo mês metade do que ganhava quando se aposentou (R$ 2.500). Mas também é uma estimativa muito próxima da expectativa de vida do brasileiro, que é de 24 anos após a aposentadoria, de acordo com as tábuas biométricas adotadas pelo IBGE", diz o especialista da Planejar.

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Ainda não pensou na aposentadoria? Veja quanto precisa guardar por mês

A partir da "regra 1, 3, 6, 9", o planejador financeiro José Faria Junior estimou quanto uma pessoa precisará poupar por mês para conseguir se aposentar com o equivalente a 80% da renda aos 65 anos.

Quanto mais cedo a pessoa começar a guardar dinheiro, menor será a parcela da renda que ela precisará economizar para se aposentar.

Um jovem de 20 anos precisará guardar o equivalente a 8% (20 menos 12, conforme a tabela acima) do salário todo mês até se aposentar. "Caso tenha aumento de salário durante sua vida profissional, o que é muito provável, deve passar a guardar 8% do novo salário, repetindo esse processo toda vez que tiver aumento, até os 65 anos", diz Faria Junior.

Ou seja, se você começou a poupar aos 20 anos e recebe um salário de R$ 1.000, deve investir R$ 80 todo mês para a aposentadoria. Se, no ano seguinte, seu salário subir para R$ 1.100, deve passar a poupar R$ 88 (8% dos R$ 1.100). Quando completar 40 anos, se tiver um salário de R$ 5.000, então guarde R$ 400 (8% de R$ 5.000). Repita mensalmente esse processo até completar 65 anos.

Quem começar aos 25 anos terá que guardar um pouco mais todo mês, o equivalente a 13% da renda (25 menos 12, conforme a tabela), até completar 65 anos.

Se começar a poupar apenas aos 35 anos, a economia terá que ser de 20% (35 menos 15) da renda mensal até se aposentar.

Agora, se você deixar para se preocupar com a aposentadoria somente aos 50 anos, terá que separar 50% (a própria idade, conforme a tabela) da renda mensal a partir dessa idade para poder ter, aos 65 anos, uma aposentadoria equivalente a 80% da renda.

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Quanto mais cedo começar, melhor

Para um mesmo salário e para alcançar a mesma aposentadoria, o valor que é preciso guardar mensalmente varia drasticamente dependendo da idade que a pessoa tinha quando começou a economizar.

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Cálculo considera que INSS deve bancar parte da renda

Para fazer a estimativa, o especialista considerou condições bastante conservadoras. O dinheiro destinado à aposentadoria será investido ao longo da vida em uma aplicação de renda fixa com taxa mínima de 3% de juro real (descontados a inflação, impostos e outros custos). Após os 65 anos, o dinheiro guardado continuará rendendo sob as mesmas condições até se esgotar.

A conta de Faria Junior pressupõe, ainda, que parte da aposentadoria (equivalente a 50% da renda aos 65 anos) será bancada pelo investimento feito pelo trabalhador. O restante (30% da renda) será pago pelo INSS, a aposentadoria oficial, totalizando a renda esperada para a velhice.

No exemplo prático dado acima, para uma renda de R$ 5.000 aos 65 anos, a aposentadoria esperada seria de R$ 4.000 (80% da renda). Desse valor, R$ 2.500 (50% da renda) seriam bancados pelo investimento feito ao longo da vida e R$ 1.500 (30% da renda) seriam pagos pelo INSS.

A estimativa de valor pago pelo INSS é conservadora, porque leva em conta as mudanças de cálculo propostas na reforma da Previdência apresentada pelo governo no começo do ano.

A média de valor das aposentadorias deve cair. Vai ficar mais difícil se aposentar pelo teto [valor máximo permitido por lei].

Valor pago pelo INSS pode cair

Hoje, o cálculo do INSS considera 80% das maiores contribuições feitas pelo trabalhador ao INSS, deixando de lá as contribuições mais baixas. A reforma prevê que o cálculo da aposentadoria inclua todas as contribuições, inclusive aquelas feitas no começo da carreira, o que deve puxar o resultado para baixo.

Além disso, para receber 100% da aposentadoria, o trabalhador terá que contribuir por 40 anos. Quem se aposentar aos 65 anos, mas sem cumprir os 40 anos de contribuição, sofrerá uma redução da aposentadoria em relação ao salário da ativa.

Por enquanto, não há nada definido: todas essas propostas de alteração dos cálculos ainda estão em discussão no Congresso. O único ponto da reforma da Previdência cuja aprovação é dada como certa pelo governo é a exigência da idade mínima de 65 anos para se aposentar.

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Salários mais altos são afetados pelo teto do INSS

A projeção feita pelo planejador financeiro tem um limitador: o teto (limite máximo) da aposentadoria do INSS, que é de R$ 5.500 atualmente. O cálculo funciona perfeitamente para salários de até R$ 18 mil.

Acima desse valor, será necessário fazer resgates mensais maiores para compensar a diferença entre o valor pago pelo INSS (R$ 5.500) e a aposentadoria desejada (80% do salário aos 65 anos).

Esses resgates (que superam 50% do valor do salário aos 65 anos) irão reduzir a duração do investimento feito para a aposentadoria desejada. Para compensar essa diferença, será preciso aumentar os aportes antes de se aposentar ou reduzir o valor da aposentadoria desejada, por exemplo, para 70% do salário aos 65 anos.

Veja a simulação abaixo.

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Por que usar o Tesouro Direto para a aposentadoria?

O planejador financeiro José Faria Junior recomenda o investimento no Tesouro Direto para acumular recursos para aposentadoria por três motivos: oferece papéis com bom retorno, protege contra a inflação e tem custo baixo.

O Tesouro Direto é uma forma simples e conservadora de montar a própria previdência. Se você comparar com os produtos de previdência privada que aplicam somente em renda fixa, o custo é muito inferior.

Enquanto os planos do tipo PGBL ou VGBL oferecidos por instituições financeiras cobram, em geral, taxas de administração e carregamento superiores a 2% ao ano, no Tesouro Direto o único custo é o de custódia, de 0,3% ao ano.

"Mas é importante procurar uma corretora que não cobre taxa de corretagem", alerta Faria Junior. Algumas instituições chegam a cobrar até 0,5% ao ano.

Clique aqui para ver a lista das corretoras credenciadas no Tesouro Direto e as taxas que cobram. Clique aqui para ver como aplicar no Tesouro Direto.

Caio Borges Caio Borges

PGBL e VGBL só valem a pena em situações específicas

De acordo com Faria Junior, investir em produtos de previdência privada oferecidos pelos bancos só vale a pena em duas situações: para aproveitar a dedução de imposto oferecida pelo PGBL, que só vale para quem declara o Imposto de Renda pelo modelo completo, ou para diversificar o investimento, buscando produtos que invistam em renda variável.

"A renda variável ajuda a 'vitaminar' sua previdência, ainda mais em um cenário de juros baixos na renda fixa. Mas é muito arriscado comprar ações diretamente. Por isso, é melhor aplicar por meio de um fundo", diz Faria Junior.

Um fundo VGBL (ou PGBL, caso você possa usar o benefício fiscal) com taxa de administração de até 2% ao ano e que destine pelo menos metade do valor aplicado para a renda variável pode ser interessante como forma de diversificar os investimentos, segundo o especialista.

Nessa situação, o planejador recomenda destinar cerca de 20% do valor economizado todo mês para o fundo e direcionar o restante para o Tesouro Direto. Por exemplo, se você guarda R$ 1.000 por mês para a aposentadoria, aplique R$ 200 no fundo e R$ 800 no Tesouro Direto.

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Qual título escolher no Tesouro Direto?

Para quem tem até 37 anos hoje

Para quem pretende começar uma previdência para o filho ou está em início de carreira, a recomendação do planejador financeiro é simples e direta: "Escolha sempre a NTN-B principal mais longa [com prazo maior] disponível". Atualmente, esse papel é a NTN-B (também chamada de Tesouro IPCA+) principal 2045, ou seja, com vencimento em 15 de maio de 2045.

Para quem tem mais 38 anos ou mais

A regra vale plenamente para quem tem hoje até 37 anos. Acima dessa idade, é necessário investir também na NTN-B principal com vencimento em 2035. A diversificação nos dois títulos se justifica pelo fato de que uma pessoa com 38 anos ou mais irá completar 65 anos antes de 2045.

"Quem tem 40 anos hoje irá se aposentar em 2042, três anos antes do vencimento da NTN-B 2045. Essa pessoa precisará suprir esses três anos iniciais de aposentadoria com outro investimento, a NTN-B principal 2035", diz Faria Junior.

"Acredito que, nesse caso, destinar 80% do valor do aporte mensal para a NTN-B 2045 e 20% para a NTN-B 2035 já seria suficiente", diz. Ou seja, se você tem 40 anos hoje e vai destinar R$ 1.000 mensais para a aposentadoria, aplique R$ 800 na NTN-B principal 2045 e R$ 200 na NTN-B principal 2035.

Proteção contra inflação e juros sobre juros

As NTN-Bs oferecem proteção contra a inflação porque rendem o equivalente ao IPCA (inflação oficial) mais uma taxa de juros nominal, também chamada de cupom, que é conhecida no momento da compra do título. O cupom da NTN-B principal 2045 hoje está em torno de 5,4% ao ano.

Faria Junior diz que prefere a NTN-B do tipo principal porque ela não paga juros semestrais. "Dessa forma, você tira melhor proveito do efeito dos juros compostos, que rendem sobre todo o montante acumulado durante o período do investimento."

Clique aqui para ver como aplicar no Tesouro Direto.

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O que pode dar errado no seu projeto para aposentadoria?

Muitas coisas podem acontecer ao longo da vida. Por isso, é importante ter em mente quais são os principais fatores que podem prejudicar seus planos de uma aposentadoria confortável e tentar se esforçar para contornar esses problemas.

  • Fatores materiais

    Liquidações, oportunidades de ocasião e outros impulsos consumistas são grandes riscos para seus planos de aposentadoria. "É preciso ter muita disciplina. Principalmente quando a gente é mais jovem e a aposentadoria parece algo muito distante. A tentação de pegar aquele dinheiro e comprar um carro novo, por exemplo, é grande", diz Faria Junior.

  • Fatores pessoais

    Se você perder o emprego, certamente terá que suspender os aportes mensais para sua aposentadoria. Caso não tenha uma reserva de emergência, ou ela se esgote, terá que gastar parte do dinheiro economizado até superar o momento difícil. Outros imprevistos pessoais, como doença ou morte na família, ou uma gravidez não planejada, também podem interromper sua poupança para aposentadoria.

  • Fatores da velhice

    Todo mundo espera chegar à velhice com saúde e um bom padrão de vida. A essa altura da vida, a expectativa é que você já tenha terminado de pagar a casa própria e o carro. Também deverá gastar menos com gasolina e transporte público, uma vez que não irá mais ao trabalho. Os filhos terão concluído a escola e a faculdade, formarão família e não deverão morar mais com você. "Teoricamente, os gastos deveriam diminuir na velhice. Uma aposentadoria de 80% da renda da ativa deveria ser suficiente para bancar os gastos sem afetar o padrão de vida. Mas, na prática, nem sempre é o que acontece", diz Faria Junior. O especialista lembra que o plano de saúde, por exemplo, tem um peso grande no orçamento dos idosos. "Você deixa de gastar com a prestação da casa ou com transporte, mas passa a gastar muito mais com saúde. A mensalidade dos planos tem aumentado bem acima da inflação." Além disso, é comum a pessoa contar com o plano de saúde da empresa enquanto está trabalhando. "Quando se aposenta, a maioria perde o benefício e daí precisa fazer um plano particular, que é caríssimo para essa faixa etária (acima dos 60 anos)."

  • Fatores econômicos

    Crises, inflação e juros altos são fatores econômicos que fazem parte da história recente do Brasil. "Quando pensamos em aposentadoria, normalmente estamos falando de um horizonte muito longo, de 30, 40 anos. Muita coisa pode acontecer", afirma Faria Junior. Ele lembra que o país passou por um susto recentemente, quando a inflação voltou à casa dos dois dígitos em 2015 (chegou a 10,6% no ano) e a taxa Selic alcançou 14,25% ao ano. "Mas essa não é a tendência. Se o Brasil realmente der certo, acredito que vamos viver, daqui para frente, com inflação e taxas de juros bem mais baixas", diz Faria Junior.

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Juro tende a cair, e exigir esforço maior para aposentadoria

Se o governo mantiver a inflação sob controle e aprovar as reformas no Congresso, especialmente a da Previdência, a economia brasileira deverá mudar de patamar, afirma o planejador financeiro José Faria Junior.

Por essa razão, o especialista preferiu ser cauteloso em suas estimativas e adotou uma taxa de juros real (descontada a inflação, impostos e outros custos) de 3% ao ano. Porém, hoje ainda é possível encontrar no Tesouro Direto a NTN-B principal 2045 com uma taxa nominal de 5,4% ao ano, o que equivale a um juro real de 4,5% ao ano.

Veja na tabela abaixo qual seria o juro real pago por esse papel até o vencimento em função da taxa nominal informada no momento da compra:

"A tendência é que os papéis paguem taxas menores, talvez até abaixo de 3%. Isso demandará um esforço de poupança maior para a aposentadoria", alerta o planejador financeiro.

Por outro lado, se você conseguir investir em títulos com taxas de juros mais altas ao longo da vida, acumulará mais recursos e poderá usufruir de uma aposentadoria maior ou por mais tempo.

Confira abaixo quanto uma pessoa de 20 anos receberia de aposentadoria aos 65 anos se investisse R$ 100 mensais, considerando juros reais de 4,5%, 3,66% e 3,0% ao ano.

Quem começar a guardar dinheiro muito tarde terá que fazer um esforço muito grande. Será muito difícil para essa pessoa alcançar, aos 65 anos, o montante necessário para se aposentar e manter o padrão de vida que tinha antes. Ou ela terá que reduzir os gastos, ou a aposentadoria irá durar menos tempo.

José Faria Junior, planejador financeiro

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