Tite sem cartilha

Namoradas liberadas, TV sem privilégios e o papel de Neymar. Saiba tudo que pensa o técnico da seleção

Danilo Lavieri, Dassler Marques e Pedro Ivo Almeida Do UOL, no Rio de Janeiro
Arte/UOL

Fazer o time jogar bem e vencer é só parte do trabalho de um técnico da seleção brasileira em tempos de Copa do Mundo. Como o grupo vai se comportar? O time estará aberto a familiares e amigos ou enclausurado em nome da concentração? E a TV, terá acesso irrestrito ou enfrentará jogo duro da comissão técnica? Perguntas como essas ajudam a explicar o fracasso ou o sucesso de qualquer versão do Brasil em busca de um título. 

Em entrevista concedida ao UOL Esporte no fim de fevereiro, durante mais de uma hora, na sede da CBF, no Rio de Janeiro, Tite revelou 15 nomes já garantidos na lista final a ser elaborada por ele. São eles: o goleiro Alisson, os laterais Daniel Alves e Marcelo, os zagueiros Marquinhos, Miranda e Thiago Silva, os meio-campistas Casemiro, Renato Augusto, Paulinho, Fernandinho, Willian e Coutinho, e os atacantes Neymar, Gabriel Jesus e Firmino. 

O técnico falou sobre o dilema que vive na posição hoje ocupada por Renato Augusto. E explicou, antes de viver o turbilhão que foi a lesão de Neymar, o que espera do seu principal jogador na Rússia. 

Mas também falou sobre todo o resto, sempre em busca do "e-qui-lí-brio". Reforçou o caráter "apolítico" que tenta imprimir ao time em termos de extrema polarização, disse desconhecer o papel que a camisa da seleção exerce no debate eleitoral e se permitiu até discordar de seus conterrâneos mais exaltados. 

Sem amarras ou cartilha, Tite indicou que Brasil podemos esperar na Rússia. E o cenário é bem diferente daquele pintado pelos seus antecessores... 

Globo vai ter privilégio?

Eduardo Knapp/Folhapress Eduardo Knapp/Folhapress

"Cada um quer sua namorada, seu esqueminha ali"

Durante a Copa do Mundo, os atletas ficam por mais de 40 dias entre concentrações, viagens e treinos. Na gestão Tite, o tempo para a família também é coisa rara, mas deve ser valorizado. Os convidados terão regras a cumprir, mas estarão no topo da lista de prioridades nos raros momentos de folga.

“Todo mundo quer sua namorada perto, sua esposa, seu filho. Todo mundo quer o amigo. Todo mundo quer o seu beirinha [amigo] perto. Cada um quer sua namorada, seu esqueminha ali. Cada um que faça sua escolha. Eu não vou ficar, com 56 anos, tendo a necessidade de curtir alguma coisa... ir lá para um canto, escondido, tomando minha caipirinha, ficar olhando paisagem, viajando. Ah, deixa eu colocar minha esposa ali”.

Em Sochi, a CBF tratou de reservar um hotel ao lado da seleção onde todos os familiares, inclusive os da comissão técnica, ficarão. Depois do confinamento em hotéis de 2010 e as visitas dentro da Granja Comary em 2014, os encontros serão limitados a um espaço reservado só para isso.

Ele não quer ser "homão da porra"

Tite presidente? Nem brinque com isso.

A seleção brasileira recuperou a autoestima de boa parte dos torcedores e transformou as piadas e memes que falavam sobre o "eterno 7 a 1" em certeza da conquista do hexa. Na era das redes sociais, o professor virou o herói do povo e ouviu diversas vezes seu nome ser sugerido para a presidência do país. Sim, do Brasil mesmo. 

Tite virou unanimidade, uma espécie de "homão da porra". E é justamente isso que incomoda o treinador. Ele gosta de ressaltar nas entrevistas que é feito de carne e osso, que comete defeitos e ressalta: o sucesso ou o fracasso da seleção não deve ajudar e nem atrapalhar nenhum político.

“Hoje o povo está muito mais informado, tem mais senso crítico e eles vão saber falar que eu sou líder do esporte e que liderança governamental é uma outra coisa. Que pena que a eleição é ano de Copa e se funde sim. Mas gostaria que não fosse"

Ser presidente é importante e responsável. E por mais importância que tem, ser técnico da seleção não é igual à política, não se preocupa com igualdade social, com uma educação melhor. Uma roubalheira associada à falta de punição gera morte. O meu trabalho não. Não dá para misturar

Tite

Tite

Eduardo Anizelli/Folhapress Eduardo Anizelli/Folhapress

Tite e os gaúchos "menos ponderados"

Tite gosta de exaltar tanto a meritocracia e igualdade que tece críticas até mesmo aos seus conterrâneos. Ele não esconde o orgulho de ser gaúcho, mas não gosta de ser tratado de maneira diferente por isso.

“Tem uma ala muito ostentosa de gaúcho, do tipo separatista. Tem gente que me encontra lá e diz que torce por mim por eu ser gaúcho. Eu digo: ‘Não torça por mim por isso, torce se eu tenho valores’. Ou não precisa torcer para mim”, diz o treinador. 

“Que valor tem isso? Para mim não tem valor nenhum. E tem uma ala mais ponderada, eu gosto. Uma coisa analítica, aprofundada"

J. Duran Machfee/Futura Press/Estadão Conteúdo J. Duran Machfee/Futura Press/Estadão Conteúdo

A camisa da seleção nas manifestações: Tite não notou

Poucas coisas simbolizaram melhor as manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff que o enxame de camisas da seleção brasileira nas ruas. A "canarinha" virou o uniforme de quem, com panelas na mão, pediu a destituição da petista. Quem queria que ela ficasse, por sua vez, passou a relacionar a peça de vestuário ao "golpe", colocando a roupa que será usada por Neymar e companhia no centro do debate político.

Perguntamos a Tite sobre o assunto, mas o treinador disse que desconhecia a questão. Tentamos explicar o desenrolar dos fatos e o comandante preferiu não se envolver muito. Fiel à sua postura, pediu apenas que a camisa da seleção continue com seu caráter meramente esportivo. 

"Fiquei dificuldade de compreender [a pergunta] e não era sabedor disso. A minha reação demonstra isso. Tem paixão de cunho do esporte. A primeira camisa [de vitória sobre o Equador, em sua estreia] que dei para a minha esposa tem um cunho representativo do esporte. De vencer por ser melhor, dos princípios, com a ideia de futebol e com os atletas", explicou.

"E que tenha esse cunho e não político. Se dependesse de mim, não use uma coisa para isso. Use de carinho para mostrar o que vem jogando ou que não vem jogando. Técnico de clube e de seleção são diferentes. O time está mal e o torcedor sai [com a camisa] na rua. Dizendo assim: ‘não importa, eu torço mesmo’. O time está jogando mal o clássico e ela apoia. A torcida de seleção é um pouco a mais. Não joga bem, não tem representante do meu time, é diferente. Clube é incondicional”. 

Pedro Martins/ MoWa Press Pedro Martins/ MoWa Press

Ney e time precisam um do outro e o craque já percebeu

“Ele [Neymar] tem consciência também, e não estou sendo oportunista, emitindo um conceito pelo tempo de falar, de ser simpático e tirar proveito do estrelato dele. Estou falando após 17 jogos e um ano e meio de convívio e diversas situações se passaram para eu falar. Ele tem consciência da importância de a equipe estar sólida. Senão fica um peso em demasia", analisou o técnico. 

"Senão, ganha e fica ‘Neymar, o bambambam’, ou perde e é culpado. Ele tem muita consciência disso. Já atingiu uma maturidade. Não é mais menino para não saber da força do conjunto que tem que ter para aparecer. Ele é diferente. Tem virtudes técnicas de passe e assistência. Se pegar os últimos 12 meses dele, é o melhor momento profissional que ele passa. Pega seleção, o final de Barcelona e o tempo de PSG". 

Tite se recorda: ele também já reclamou de Neymar

Isso aí é sacanagem. Vai bater o pênalti determinado pelo teu técnico e uma parte das pessoas te vaiam? Eu fui demitido do Corinthians determinando o Coelho para bater pênalti e o Tevez não

Tite

Tite, sobre o polêmico episódio das vaias a Neymar

Jefferson Bernardes/Folhapress Jefferson Bernardes/Folhapress

"Aprendiz" em 2002, Tite deu sua pequena ajuda no penta

Na mesma época em que Felipão assumiu a seleção, o Grêmio de Tite era o melhor time do Brasil e jogava com três zagueiros. O sistema se difundiu por equipes brasileiras, com pequenas diferenças entre elas. 

“Sistema da seleção brasileira de 2002: para mim, era um sistema encaixado. Conforme o posicionamento do adversário, ele mexia sua primeira peça de marcação no meio. Se o adversário jogava com dois atacantes, ele jogava com o teu volante fazendo função de zagueiro. Se o adversário tinha um atacante só, o Edmilson jogava pela frente. Era híbrido. No Grêmio que eu dirigia, não encaixava. Ele mantinha uma estrutura básica. O Felipão variava de um jogo para o outro”

Ele lembra, no entanto, de uma conversa que pode ter sido fundamental para que Marcelinho Paraíba atuasse em uma função para liberar Rivaldo para o jogo. E deu certo.

“O que teve de relação foi um jogo lá em Porto Alegre [2 x 0 contra o Paraguai]: o Parreira e eu conversamos dentro da sala do seu Verardi [então dirigente], numa visita que ainda teve o Felipão e o Murtosa, sobre a função que exerciam Tinga, Eduardo Costa e Marcelinho Paraíba. Ele queria saber se utilizava o Marcelinho mais à frente, com Rivaldo mais atrás. Não sabia se o Marcelinho faria bem mais atrás. Eu e o Cléber Xavier falamos: pode deixar o Marcelinho mais atrás e deixar o Rivaldo livre. Ele faz essa função. Rivaldo ficou mais livre. Isso eu lembro que falamos”. 

Pivote? Trinco? Tite não se empolga com "linguajar moderno"

Malandragem é sinônimo de falta de capacidade, é sinônimo de incompetência. Quem usa da malandragem usa de um subterfúgio frio, escuro e ruim para ganhar alguma coisa. Quer ganhar? Ganha sendo o melhor

Tite

Tite

Qual futuro craque pode ficar fora?

Há sempre o risco de deixar fora um grande talento que emerge às portas da Copa, como foi Neymar em 2010

Andrew Boyers/Action Images via Reuters Andrew Boyers/Action Images via Reuters

Richarlison

"O Zabaleta [lateral argentino] falou para o Sylvinho depois de um jogo: 'vocês têm um atacante que é um animal, que me jogou três vezes para fora do campo'. E também já ouvi o Abel [Braga] falando que ele faz transição, gol e tem presença de área".

Philippe Desmazes/AFP Photo Philippe Desmazes/AFP Photo

Malcom

"Evoluiu muito no jogo combinado e na conclusão porque era muito deficiente, coisa que ele não tinha e com o tempo foi melhorando e dando a ele uma condição melhor. Nós acompanhando. Ter sido escolhido o melhor do mês vai credenciando".

Dean Mouhtaropoulos/Getty Images Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

David Neres

Em alta na Holanda depois de deixar o São Paulo, com direito a prêmios individuais, o atacante parece estar um pouco mais distante de uma chance. "Ele foi destaque no Ajax, apesar de jovem. Então a gente começa a monitorar".

Pedro Martins/ MoWa Press Pedro Martins/ MoWa Press

Uma posição que ninguém abraçou

Das vagas abertas ao Mundial, Tite diz que há duas para meias. “Preciso de jogadores que trabalhem entre primeira e segunda linha e flutuando dentro delas, para receber em espaço e criar oportunidades. Vão errar cinco, seis ou sete, mas numa que acertar serão decisivos”, explica. Um jogador é para o “segundo terço do campo” e outro “para o terceiro terço”. A preocupação maior, no entanto, é com o lugar hoje ocupado por Renato Augusto. Tite vê poucos possíveis substitutos para o titular, que já não vive a melhor fase. 

“Jadson é terceiro, Arthur e Fred são segundo. Diego joga no terceiro, e acho que pode jogar no segundo. Agora com o Carpegiani, ele executa, porque ele e o Paquetá alternam movimentos, e é sistema com posições e funções diferentes. O Lucas Lima no time do Roger vai executar essa função. Luan é um pouco diferente, porque o Grêmio joga com duas linhas e [ele é um dos] dois atacantes”, diz – ele ainda cita Giuliano, Taison, Alan do Napoli e Rodriguinho.

“Vou procurar o espaço para um segundo [meio-campista] que saia, um Arthur, para outro mais de frente. Jogava assim o Hernanes no São Paulo”, conta. “O Fred? Jogou muito [no Shakhtar]. Ele está bem. Em uma troca de figurinhas, o Guardiola me perguntou por ele”.

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

Melhor da América em 2017, Luan não encheu os olhos de Tite

Luan foi novidade na última rodada das Eliminatórias, mas a ideia de Tite para o melhor jogador da Libertadores não foi adiante. “Eu peguei no Grêmio e disse assim: ‘se pegar você, jogar do lado, dar liberdade de flutuação, vem dentro e vai jogar. Só recompõe sem bola do lado direito’. ‘Dá para fazer, professor. Gosto de fazer, fiz com Roger no início no Grêmio’. Foi para o jogo e para os treinos e não é o mesmo rendimento”, explica.

Tite gostaria de Luan como ponta direita, mas já descartou a ideia. “Não tem valência física que permita fazer isso, não tem velocidade, não tem a transição mais longa. É atleta de agilidade e técnica. [...] Botei Luan no jogo e ele não consegue. [...] Botei Luan no treino pelo lado e ele não tocava na bola. Acabou o treino, fizemos uma reunião e eu disse ‘ali ele não joga’, os caras engoliram ele. Entrou no jogo e entrou mal”, acrescenta.

Um raio-x bem semelhante foi traçado sobre Firmino na mesma convocação. Entretanto, o atacante do Liverpool está assegurado no Mundial como opção para o centro da área. Luan terá de brigar por uma vaga na meia. Já com Douglas Costa, a radiografia é oposta: o lugar dele é pela ponta. É ali que disputa espaço.

“Mais agudo, mais atacante, está mais para Neymar. Mesmo por dentro, ele não faz jogada de armação, mas de velocidade. O melhor momento dele no Bayern, foi aberto, aberto, aberto. Não participa da construção, mas do um contra um final do jogo. Guardiola me disse que ‘foi o melhor que produziu comigo’ e na seleção também. Por dentro é outro tipo de jogo, mas não na construção”.

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