A desconstrução do rei

Maior ídolo do Galo, Reinaldo foi chamado de gay e cachaceiro e crê que difamação o tirou de uma Copa

Adriano Wilkson Do UOL, em Belo Horizonte (MG)
Samerson Gonçalves/UOL

Quem passar hoje pela simpática pracinha na Savassi, em Belo Horizonte, não se dará conta da história que ela encerra. Numa esquina, funcionários de café atendem os primeiros clientes do dia, guarda-sóis brancos protegem mesas do sol que começa a esquentar, uns pombos bicam restos de comida no chão, velhinhos jogam conversa fora. No meio deles, Reinaldo circula com desenvoltura.

Aos 61 anos, o antigo ídolo da torcida do Atlético-MG passa muitas de suas manhãs no meio de seus amigos, que ele gosta de chamar de “categoria sub-80”. Em 1981, não havia no futebol brasileiro atacante melhor do que Reinaldo. Poucos entenderam quando acabou preterido da relação de Telê Santana para a Copa de 1982. Na ocasião, o principal motivo para justificar a ausência foi a má condição física do atleticano.

Em entrevista ao UOL Esporte, o ex-atacante dá uma versão diferente e crê que o pesou mais para ficar de fora daquele Mundial foi uma campanha de difamação contra ele, que incluía críticas a suas opções políticas e até a sua sexualidade. O “rei” dos atleticanos também contou como Ernesto Geisel, presidente da época da ditadura militar, tentou censurá-lo e revelou que, ao encerrar a carreira, começou a usar cocaína para aliviar as dores que sentia no joelho.

Arquivo/Folhapress Arquivo/Folhapress

Fora da Copa após campanha difamatória

Líder do ataque do Atlético-MG hexacampeão estadual nos anos 70, Reinaldo era avaliado pelos jogadores da seleção brasileira como a melhor opção para referência ofensiva do time. Seus concorrentes eram Careca, Roberto Dinamite e Serginho Chulapa. Veterano do Mundial de 78 na Argentina, ele vinha sendo chamado na preparação para 82.

“Eu disputei eliminatória, fiz gol da classificação, fui para excursão na Europa e não teve mais jogo. Antigamente, a seleção não jogava muito. Então era só a convocação da Copa. Ele, acredito que pelo seu bel-prazer, não quis me levar”, analisa. Na época, a má condição física de Reinaldo foi apontada como o principal fator para a ausência na lista final. 

Para Reinado, porém, fatores extracampo também pesaram nas escolhas de Telê. O treinador achava que Reinaldo deveria se concentrar em jogar bola e não tentar ser “um intelectual”. Também se incomodava com as noitadas e algumas amizades do jogador. Tornou-se um escândalo, por exemplo, a forte amizade que o atacante construiu com o radialista mineiro Tutty Maravilha. Reinaldo era hétero, mas foi chamado de gay por sua proximidade com um homossexual assumido.

Hoje, ele acredita que  essas questões, aliadas a uma desconfiança de Telê em relação a sua condição física, contribuíram para a ausência no Mundial da Espanha. Em seu lugar, o treinador convocou Chulapa, considerado “um trombador”. 

Minha relação com o Telê era boa. Depois, ele começou a se preocupar com o que a imprensa falava. A relação ficou um pouco arranhada. Diziam que eu ficava na noite, que só queria fazer política, que eu era gay, cachaceiro. Foi a desconstrução do rei

Sobre o técnico da seleção de 1982

Eu estava com problema de joelho e fui pra Nova York operar. Naquela época, o Telê convocava 40 jogadores três meses antes. E eu não fui relacionado nem entre os 40. Além de toda essa campanha difamatória, talvez ele pesou também o meu histórico de cirurgia

Lembrando das dúvidas a respeito de sua forma física

Falavam que eu era gay porque eu era amigo do Tutti. E ele é amigo da minha família. Normal, como eu conhecia vários gays. E o gay daquela época era um gay, digamos assim, mais discreto. Mas falavam que eu era gay também porque eu era amigo dos caras

Discutindo um dos pontos da campanha difamatória

O pedido do general Geisel: "Apenas jogue futebol"

Leandro Lopes/CBF Leandro Lopes/CBF

O punho ao alto contra o racismo e o capitalismo

A bronca de Geisel, do vídeo acima, tem origem em uma das marcas do atacante: após seus gols, ele corria à lateral do campo e levantava o punho. O gesto era identificado com os movimentos de trabalhadores e de resistência ao capitalismo ao longo do século 20. Os Panteras Negras, um grupo antirracista norte-americano, o transformaram em saudação. Dois atletas afro-americanos o repetiram nas Olimpíadas de 68.

Reinaldo erguia o punho cerrado acima da cabeça para mostrar sua resistência diante do regime militar e do racismo. “Era um gesto que comecei a fazer em 75, 76. Um gesto de protesto, socialista, o gesto dos Panteras Negras. Eu fazia porque falavam sempre que jogador é alienado, que [futebol] é o ópio do povo e tal. Eu era jogador e, como qualquer outro brasileiro, tinha preocupação política e social”, conta.

“Era uma época de ditadura, o país começava a clamar pela liberdade. Éramos um povo muito oprimido, muito pobre. E queríamos uma nova era, um mundo com mais liberdade, mais oportunidade, mais igualdade. Milhões de brasileiros participaram. No futebol foram muitos. Eu, o Afonsinho, depois o Sócrates. Todo o Brasil teve participação importante para que a gente tivesse essa plena liberdade que a gente tem hoje.”

Sou contra a volta dos militares. Os militares têm um papel importante no país que é defender fronteiras. São os guardiões dos símbolos brasileiros. O exército é muito importante pro país, mas não é pra governar. Pode ter militar no governo, mas o governo tem que ser da sociedade. Os militares mesmo não querem. Eles ocuparam isso aqui por causa dos americanos, foi uma intervenção internacional. Por isso deram aquele golpe. Hoje, eles mesmos sabem que o governo é do povo

Sobre apoiar os militares, mas não um governo militar

Futebol antigamente era pancadaria longe das câmeras

ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Cinco cirurgias abreviaram seu reinado

A genialidade do atacante mineiro, o maior ídolo do Atlético e aquele que mais marcou gols vestindo a camisa alvinegra, foi interrompida por uma sequência de lesões - causadas pela deslealdade dos adversários. Reinaldo começou a sentir os primeiros problemas no joelho ainda aos 16 anos.

Ao todo, foram cinco cirurgias que contribuíram para abreviar sua carreira. Ele se aposentou aos 31 anos, ainda sentindo muitas dores. Alguns procedimentos foram errados, outros desnecessários. Hoje, especialistas dizem que, tivesse nascido algumas décadas mais tarde, Reinaldo teria uma carreira ainda mais frutífera, graças aos avanços da medicina.

A medicina era arcaica. Fui uma cobaia”

“A medicina tinha muita dificuldade, era muito arcaica, obsoleta. Não tinha os recursos que tem hoje. A conduta do médico era a infiltração, o que acaba provocando sequelas e prejudicando mais. Enfrentamos toda essa guerra e sobrevivemos”, lembra.

Cocaína foi a resposta para a dor

Condenado por tráfico, acusou o juiz de ser cruzeirense

Em 1997, Reinaldo foi condenado em primeira instância por tráfico de drogas. No ano anterior, a polícia havia encontrado um carro seu em posse de duas pessoas que levavam 600 gramas de cocaína. Os homens acusaram Reinaldo de emprestar o carro para que eles vendessem a droga, o que o ex-jogador nega.

No ano seguinte, na segunda instância, Reinaldo acabou absolvido por unanimidade. Os juízes consideraram que não havia provas contra ele. O imbróglio judicial não afetou a vida do ídolo do Galo, que à época concorria ao cargo de deputado estadual.

“Não abalou porra nenhuma”, diz ele. “Nunca vendi droga. Usei droga, mas nunca vendi. O cara que me acusou é um cruzeirense babaca que tem aí. Por isso que nem considero. Tanto que quando foi a segunda instância no tribunal, o tribunal corrigiu esse piti do juiz.”

Folhapress Folhapress

Voltou do "exílio" para revelar talentos para o Atlético-MG

No ano passado, Reinaldo se sentia desprezado pela diretoria do clube que o revelou, que, segundo ele, lhe havia fechado as portas. “As portas minhas são no Atlético. Mas no Atlético eu estou exilado”, dizia ele.

Mas 2018 foi o ano do retorno do rei. Depois de uma passagem frustrada como técnico do Tricordiano, onde conviveu com falta de salários e até de alimentação aos atletas, Reinaldo foi convidado a integrar as categorias de base do Galo. Como coordenador técnico, o ex-atacante é uma espécie de olheiro, ajuda na contratação de jovens promessas e no aprimoramento de seus talentos.

Era exatamente o que ele queria. “O presidente está com essa política de chamar ex-jogadores para ajudar e estou na coordenação da base. Trabalho na captação de novos jogadores e também na parte técnica, conversando e orientando os garotos, para apurar o futebol deles.”

Arquivo pessoal/Família de Cláudio Coutinho Arquivo pessoal/Família de Cláudio Coutinho

Reinaldo de bate-pronto

Torcida do Galo

Fantástico. Emocionante.

Torcida do Cruzeiro?

Não presto muita atenção não.

Cuba

Cuba humanisticamente é primeiro mundo, mas materialmente é muito ruim.

Estados Unidos

Racista, mas competente.

Mineirão

O melhor lugar de Minas Gerais.

Novo Mineirão

Ah, eu me lembro do antigo. No novo fui pouco.

Che Guevara

Grande líder. Grande companheiro. Grande guerrilheiro. Grande idealista.

Donald Trump

Trump é doidão. Boladão.

Medicina dos anos 70

Era fraquinha, né. Fraquinha. Fui um cobaia.

Guerra às drogas

Tem que assinar uma trégua, trazer uma discussão maior porque se ficar só dando tiro, brigando, aí não. No fundo o problema nem é a droga, é a grana.

Descriminalização de algumas drogas

Primeiro tem que ter uma reeducação, informações maiores sobre o que que é droga.

Samerson Gonçalves/UOL Samerson Gonçalves/UOL

Curtiu? Compartilhe.

Topo