2006

Copa Brasileira de Letras: os três jogos inesquecíveis da Copa do Mundo da Alemanha

Alex Castro Colaboração especial para o UOL
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Mas o que é Copa Brasileira de Letras?

O que você tem a dizer sobre as Copas do Mundo? Foi essa pergunta que fizemos a algumas personalidades da literatura brasileira. O resultado é o projeto "Copa Brasileira de Letras", histórias únicas, reais ou de ficção, de cada um dos Mundiais de futebol, de 1930 até 2014.

A cada dia, você lê uma história diferente. São textos de Alex Castro, Edney Silvestre, Eliane Brum, José Roberto Torero, Michel Laub, Paulo Lins, Reinaldo Azevedo, Luiz Ruffato, Vanessa Barbara e Xico Sá.

A Copa de 2006 é de Alex Castro, sobre um casal e os três jogos inesquecíveis da Copa da Alemanha.

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Três Jogos Inesquecíveis da Copa de 2006

Brasil 1 x 0 Croácia – Terça-feira, 13 de junho de 2006, 16h

Chefe nos libera às 14h.

Almoço rápido, leve e apimentado no tailandês. (Não queremos nada indigesto.)

“Bendito Kaká!”

Na cama redonda, último capítulo do seriado favorito com laptop no colo: “Jack se sacrificou para salvar a Sydney, que lindo!”

Beijo devagar e demorado na varanda, as ondas batendo lá embaixo.

“Um só gol nem é vantagem. E se a Croácia vira no segundo tempo?”

No telefone: “Meu anjo, ainda estou aqui, acredita? Não liberaram a gente! Mal dá pra se concentrar no trabalho, só penso no jogo! Esse Brasil tá batendo um bolão!”

***

Brasil 4 x 1 Japão – Quinta-feira, 22 de junho de 2006, 16h

Direto pra minha casa.

Bolo de nozes, margaritas e húmus: açúcar pra energia, álcool pra relaxar, proteína pra força.

“Caralho, Dida! Vai tomar gol do Jáspion?!”

Tentamos vestir as roupas de látex, mas o tesão estava demais e o talco de menos.

“Deixa eu ver o jogo! Se o Brasil perde do Japão, desisto dessa Copa!”

No caminho até o quarto, tropeçamos, caímos, ficamos no sofá da sala, como adolescentes de hormônios borbulhantes.

“Êê, Ronaldo, demorô! Vamo, vamo, tem que fazer mais um!”

Lambidas longas, loucas, lúdicas, lânguidas.

“Juninhôôôô! Graças a Deus! Pronto, pronto, agora relaxei.”

Chupadas curtas, circulares, sinceras, suadas.

“Santo Ronaldo! Quatro a um!!”

No telefone: “Estou acompanhando pela internet, fazer o quê, né? Emprego escroto. Mas que goleada linda, né, amor?! Estou aí do seu lado de coração.”

***

Brasil 3 x 0 Gana – Terça-feira, 26 de junho de 2006, meio-dia

A empresa nos dá a tarde inteira livre.

Almoço romântico no japonês, na mesa do fundo, para celebrar a vitória no jogo anterior: “Chupa, Japão.”

Em um shopping afastado, experimentamos sapatos e compramos livros, bebemos cachaça e tomamos sorvete.

“Não quer nem dar uma olhadinha no jogo?”

Em casa, sessão de fotografia: sombrinha refletora e fundo desfocado, látex e couro, óleos e incensos.

“Pô, Gana? Vai ser o maior passeio.”

Depilamos nossas virilhas, deitamos entre abraços. Gozamos uma, duas, três.

No telefone: “Isso é negócio de multinacional burra. Não entendem a importância do futebol! Se fossem daqui, aposto que liberavam todo mundo!”

* * *

No sábado, a França eliminou o Brasil e nossos planos para as semifinais foram abortados. Nunca mais nos vimos. Sempre teremos aquela Copa.

* * *

Nota: para preservar a identidade das pessoas envolvidas, os gêneros das personagens foram trocados.

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Alex Castro publicou "Mulher de um homem só" (romance, 2009), "Onde perdemos tudo" (contos, 2011), "Outrofobia: textos militantes" (ensaios, 2015) e "Autobiografia do poeta-escravo" (biografia, 2015). Foi subeditor da revista Mad in Brazil e escritor convidado da Feira Internacional do Livro de Havana, em 2016. Suas instalações artístico-literárias "As Prisões: Exercícios de Atenção", já foram realizadas em todas as regiões do Brasil, reunindo mais de duas mil pessoas. Seu próximo livro "Exercícios de Atenção: Manual de Outro-Ajuda" sairá pela Editora Rocco ainda em 2018.

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