Como retomar o planeta?

Domínio europeu na Copa acelera corrida sul-americana para evitar que futebol tenha sua NBA continental

Rodrigo Mattos e Thiago Rocha Do UOL, em Moscou (Rússia) e São Paulo
FIFA/FIFA via Getty Images

Rotina nas competições interclubes, a Europa agora consolidou a sua dinastia no futebol também entre as seleções. A final entre Croácia e França, neste domingo (15), às 12 horas (de Brasília), em Moscou, vai coroar o quarto campeão consecutivo do Velho Continente na Copa do Mundo, uma sequência inédita no torneio. Brasil e Uruguai, os melhores representantes da América do Sul na Rússia, pararam nas quartas de final.

Se não é algo definitivo, dado que a Argentina esteve a um chute para fora de bater a Alemanha em 2014, o cenário liga o sinal de alerta. O dinheiro que sempre separou os continentes está cada vez mais forte na Europa, que faz esforços claros no sentido de ampliar o abismo. No caminho contrário, dirigentes sul-americanos e a própria Fifa se organizam no sentido contrário, tentando impedir que o futebol ganhe sua versão continental do que a NBA é no basquete.

O desdobramento dessa disputa, que se apresenta muito forte para os próximos anos, deve definir se os resultados vistos na Rússia são tendência ou exceção.  A redução do intercâmbio entre seleções com a Liga das Nações, a discussão sobre o futuro do Mundial de Clubes e a reforma do futebol sul-americano estão em pauta para que, nos próximos anos, Brasil, Argentina e companhia evitem que a Copa da Rússia se repita no Qatar.  

Copa consolida domínio que já existia em outros torneios

David Ramos - FIFA/FIFA via Getty Images David Ramos - FIFA/FIFA via Getty Images

Mundial de Clubes

Desde 2000, quando o torneio passou para a chancela da Fifa, apenas quatro sul-americanos foram campeões em 14 finais disputadas (Corinthians em 2000 e 2012, São Paulo em 2005 e Inter em 2006). Na década, com exceção do Corinthians que bateu o Chelsea, o Santos tomou 4 a 0 do Barcelona e o Grêmio levou 1 a 0 do Real Madrid, jogo em que o rival teve amplo domínio, apesar do placar simples.

AFP PHOTO / KIM Doo-Ho AFP PHOTO / KIM Doo-Ho

Mundial Sub-20

A Europa venceu as últimas três edições do torneio para jogadores até 20 anos (França em 2013, Sérvia em 2015 e Inglaterra em 2017), todas conquistadas em cima de sul-americanos na final (Uruguai, Brasil e Venezuela, pela ordem). As seleções do velho continente estiveram em cinco das últimas seis finais da competição.

Danishi Siddiqui/Reuters Danishi Siddiqui/Reuters

Mundial Sub-17

Já o torneio mundial para jogadores até 17 anos, tradicionalmente dominado pelos africanos e com alguma representatividade da seleção brasileira na história, tem a Inglaterra como atual campeã. Apenas um representante sul-americano decidiu o título nas últimas seis edições da competição, o Uruguai, em 2011, batido pelo México.

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Liga das Nações é arma da Uefa que pode aumentar o abismo

A Uefa não se mostra preocupada com o abismo mundial e tem desenvolvido projetos cada vez mais centrados no futebol regional. Na discussão global, não se interessa muito pelo modelo atual do Mundial de Clubes e nem pelo que pode estar por vir. Hoje, não há nenhum clube fora da Europa na lista de 20 mais ricos do mundo feita anualmente pela consultora Delloitte, e nem há previsão de que esse cenário mude.

A divisão de verbas favorece as confederações, que com o dinheiro e a organização alimentam suas seleções e se colocam em condição de superioridade no embate com outros continentes. Um caso emblemático é a criação da Liga das Nações, competição com início em setembro que vai ocupar todas as datas Fifa disponíveis até as eliminatórias para a Eurocopa de 2020. O torneio será qualificatório para a Euro, que ganha ainda mais status de "Copa do Mundo" europeia. 

O maior problema é que o torneio reduz, ou praticamente impede, amistosos intercontinentais que serviriam de teste para os sul-americanos. A necessidade de confrontos não é exatamente uma novidade, visto que a falta de choque contra europeus já foi uma preocupação de Tite no fim do ciclo atual, por exemplo. A movimentação é vista com desconfiança por cartolas não-europeus, que tentam preparar um contra ataque. 

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Conmebol reage com novo Mundial e Libertadores

Nos anos recentes, a América do Sul enfrentou um escândalo de corrupção de proporções gigantescas, no conhecido caso Fifa, que afetou toda a Conmebol, incluindo dirigentes de nove dos dez países filiados à confederação. Só agora a entidade tem uma nova gestão e tenta se reerguer. A reação, ao que tudo indica, deve vir pelo Mundial de Clubes, que deve passar por reforma. A Fifa defende que a competição é chave para equilibrar as forças mundiais e tem o apoio da Conmebol nessa briga. A entidade que comanda o futebol sul-americano fala em até seis representantes na competição, que seria bem mais inchada que a versão atual. 

O principal argumento é financeiro. A Conmebol estima que cada clube participante receba cerca de US$ 80 milhões por edição, dinheiro que turbinaria o processo de reorganização que ela quer promover no continente após quatro anos de denúncias de corrupção e muita movimentação da cartolagem local. Alejandro Dominguez, presidente da entidade, investe também em uma remodelação da Libertadores, agora anual e com novidades como a final em jogo único. Mais rentável, o torneio pode dar prêmios mais gordos aos vencedores - a edição 2018 dobrou os valores e o campeão atual deve recolher R$ 35 milhões, somadas todas as fases. 

São os primeiros passos de um longo caminho de transformação que precisa ser percorrido. 

Temos agora um time que pode vencer pela primeira vez que é a Croácia. Não acho que a Croácia seja uma das potências da Europa. Essa Copa mostra domínio da Europa, mas mostrou grandes habilidades de outros e foi bastante equilibrado. Os resultados deveriam ser um motivador para as outras confederações investirem mais.

Gianni Infantino

Gianni Infantino, presidente da Fifa

AFP PHOTO / Luis Acosta AFP PHOTO / Luis Acosta

Copa do Mundo da Rússia oferece análise definitiva?

Se é verdade que o desempenho na Rússia foi abaixo da média, repetindo a semifinal exclusivamente europeia que se viu em 2006, além do "tetra" inédito do continente, a série histórica anterior mostrava alguns avanços dos sul-americanos.  

Há quatro anos, em "casa", o continente latino emplacou dois times nas semifinais, o que não ocorria desde 1978. Antes, em 2010, Paraguai, Uruguai, Brasil e Argentina chegaram às quartas de final, outro feito histórico para um continente. Em um contexto de cinco representantes contra 14 europeus, a predominância do Velho Continente não é necessariamente indicativo de um processo definitivo entre os dois continentes.

Das cinco seleções que foram à Rússia, por exemplo, a única tragédia é argentina, reflexo de um ciclo muito turbulento que passou raspando pela primeira fase e mesmo assim ofereceu certa resistência à finalista França. Embora a realidade sul-americana afete todos os países, cada um tem uma história que leva à queda precoce na Copa do Mundo. 

Sul-americanos caem por vários motivos, entre eles a Europa

  • Argentina

    Soberania europeia à parte, a vice-campeã mundial em 2014 foi o retrato da bagunça nesta Copa, reflexo da crise administrativa que derrubou três técnicos nos últimos dois anos. A chegada de Jorge Sampaoli só piorou o clima, gerou racha entre treinador elenco, e Messi e seus colegas quase deixaram a Copa na fase de grupos.

    Imagem: Albert Gea/Reuters
  • Brasil

    Uma das favoritas ao título, a seleção brasileira conviveu com a dependência de Neymar e as dúvidas sobre a real condição física do camisa 10, que se recuperava de uma fratura no pé. Mesmo assim, o time chegou a jogar bem, pintou como favorito e caiu pressionando a Bélgica, com o goleiro rival como um dos melhores em campo.

    Imagem: AP Photo/Frank Augstein
  • Colômbia

    Com expectativas altas após chegar às quartas de final em 2014, os colombianos sentiram falta de seu craque, o meia James Rodríguez, que enfrentou problemas físicos e nunca esteve 100% neste Mundial. Ainda assim, a equipe vendeu caro a eliminação para a Inglaterra, nos pênaltis, nas oitavas.

    Imagem: SporTV/Reprodução
  • Peru

    Depois de meses de dúvidas sobre Guerrero, o Peru voltou à Copa após 36 anos e saiu da Rússia como uma das seleções mais elogiadas entre aquelas que caíram na primeira fase. Melhor em dois dos três jogos que fizeram, os peruanos pagaram caro pela perda do pênalti de Cueva contra a Dinamarca, que acabaria custando a eliminação.

    Imagem: REUTERS/Marcos Brindicci
  • Uruguai

    Seleção sul-americana mais consistente na Rússia, fez o que dela se esperava: não era favorita, mas chegou às quartas de final com a sensação de missão cumprida. Lesão de Cavani deixou a impressão de que, com ele em campo contra a França, a chance de chegar a uma semifinal poderia ser relativamente maior.

    Imagem: Xinhua/Fei Maohua

Falar de supremacia do futebol europeu é desconhecer a realidade histórica, econômica e de infraestrutura do futebol. A Bolívia não tem a infraestrutura da Alemanha, nem nós temos a da Inglaterra

Óscar Tabarez

Óscar Tabarez, técnico da seleção do Uruguai

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