Ponto cego

Retrovisor vai encolher até sumir; por ora, UOL Carros dá dicas para você acertar o ajuste e enxergar melhor

Eugênio Augusto Brito, Alessandro Reis Do UOL, em São Paulo (SP)
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Espelho é obrigatório por lei, mas tamanho mínimo, não...

Todo mundo já passou por isso no trânsito: você avança tranquilo e com boa distância de outros veículos até que, numa tentativa de trocar de faixa ou fazer alguma conversão, vê surgir um carro ou -- ou uma moto -- do nada.

Com sorte, tudo acaba em buzinadinhas, um pedido de desculpas e um susto que logo vai passar. Em alguns casos, porém, há consequências mais sérias, com colisão ou abalroamento e feridos. E saiba que não é apenas falta de atenção: muitas vezes, o responsável é o fenômeno do "ponto cego".

Encolhendo até sumir

É uma limitação física de quase todo automóvel: apesar dos vidros, partes do carro são encobertas pela própria estrutura (colunas, encostos de cabeça) ou fora da cobertura dos espelhos. Isso cria o ponto cego.

Além de acidentes de movimentação, pode provocar atropelamentos em manobras de estacionamento, quando o motorista não enxerga um pedestre perto da traseira do automóvel.

Pior: carros atuais expõem cada vez mais seu condutor ao ponto cego: sedãs mais "acupezados" (com colunas mais inclinadas), SUVs e esportivos tendem a ter área envidraçada menor. E os próprios retrovisores externos e internos estão encolhendo, já que ideia é ter modelos mais aerodinâmicos, que gastem menos combustível -- e isso não combina com espelhos grandes, que vão acabar extintos, dando lugar a sensores e câmeras.

Até lá, porém, vale saber como ajustá-los direitinho para não ter sustos, nem imprevistos.

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Não enxergo nada

Mesmo motoristas mais experientes podem passar por dificuldades com novos carros e seus espelhos cada vez menores. Isso aconteceu, por exemplo, com UOL Carros e a análise do Mercedes-Benz GLC Coupé, SUV diferentão testado há duas semanas (na imagem, o retrovisor do modelo alemão). As peças eram pequenas demais em comparação com a carroceria ampla (4,73 m de comprimento) e bojuda do modelo, que tem vidros laterais e vigia traseira reduzidos e as colunas mais inclinadas que o normal.

Complica ainda o fato do GLC Coupé não ter, no Brasil, sensores auxiliares de ponto cego, mesmo considerando o preço de R$ 300 mil (há, porém, sensores de estacionamento traseiros e câmera de ré).

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Mas se o GLC Coupé é um carro que poucos vão guiar, o que dizer de modelos de entrada como o Nissan March (hatch pequeno, de 3,82 m, e que parte de R$ 40 mil), com dificuldade semelhante de visibilidade? Também neste caso, há a opção de câmera de ré apenas nas versões mais caras (que encostam nos R$ 60 mil) -- e é sempre interessante lembrar que outro modelo da marca, o Kicks, tem até sistema de câmeras 360º único entre compactos, ainda que só funcione em manobras.

De toda forma, no dia a dia com espelhos pequenos e trânsito gigante, fica para o motorista a tarefa extra do contorcionismo para enxergar tudo ao trocar de faixa ou fazer conversões para não atropelar ou abalroar ninguém. Mas é permitido ter espelhos tão pequenos? Sim, é permitido e a explicação é bem lógica.

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Apertem os cintos, o espelho encolheu

Espelhos retrovisores grandes são um "problema" nos atuais projetos, pois ampliam o arrasto aerodinâmico, aumentando o ruído e até o consumo de combustível. 

Por conta disso, as montadoras buscam um meio-termo entre visibilidade, conforto e eficiência energética ao desenharem retrovisores de novos carros. Há ainda a padronização: Fiat, Mercedes-Benz, Nissan (na imagem, o espelho do hatch March), Renault, Volkswagen são algumas das marcas que têm um estilo-base para retrovisores em praticamente toda a linha, nos mais diferentes mercados. E tudo dentro da lei. 

"De modo geral, todo nosso line-up atende a base da lei em diferentes mercados, tanto para retrovisores, como também para lanternas. Acústica, aerodinâmica, visual, tudo isso é definido uma única vez e vale no Brasil e na Europa", afirma Flávio Guzman, especialista de produto da Mercedes-Benz do Brasil. 

Guzman explica que modelos maiores tendem a ter retrovisores maiores, claro, mas que o design não pode ser desproporcional ao carro, "ao mesmo tempo em que atende às propostas de segurança e de aerodinâmica do projeto".

Mas não tem jeito, os espelhos vão desaparecer. E não vai demorar.

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Um olho no gato...

Uma medida usada por motoristas de caminhão, para aumentar o ângulo de alcance dos espelhos, é a instalação de espelhos convexos auxiliares, geralmente circulares, que são colados na ponta do espelho original. Eles podem ser adquiridos a partir de R$ 30, mas muita montadora não recomenda, por não integrarem o projeto original do automóvel. A grande questão dos espelhinhos auxiliares é que quanto mais convexo for sua superfície, mais distantes os objetos refletidos vão aparentar estar, o que pode confundir o motorista, em vez de ajudar.

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... outro na tecnologia

Enquanto a extinção completa dos espelhos não acontece, muitos fabricantes já compensam sua limitação física com tecnologia. Sensores, câmeras e até radares dão origem a equipamentos que alertam o motorista de objetos, carros e pedestres fora do ângulo de alcance dos espelhos. "Sensores de estacionamento", "câmera de ré", "alerta de ponto cego" e até "câmera 360º", que simula uma visão aérea do carro (parece imagem de drone, mas é só uma lente grande angular) facilitam a tarefa de estacionar e estão cada vez mais difundidos: na imagem, a câmera 360º do Nissan Kicks, que custa menos de R$ 100 mil.

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Acerte o seu aí!

Enquanto existir, o espelho retrovisor vai precisar estar perfeitamente ajustado para cumprir sua função: ampliar o campo de visão do motorista, reduzir o campo cego e garantir a segurança de todos no trânsito.

"O ajuste correto dos retrovisores externos, nos dois lados, pode reduzir em até 40% o ponto cego", explica Alessandro Rubio, membro da comissão técnica de segurança veicular da SAE Brasil e coordenador técnico do Cesvi Brasil, instituto ligado a seguradoras e que divulga normas técnicas de modo didático.

Rubio ensina que regular os espelhos é algo simples, mas fundamental para rodar de modo seguro no trânsito. "Quanto maior a área de visão, mais tempo determinado objeto tende a ser refletido pelos espelhos, especialmente motocicletas, que são veículos rápidos e de pequenas dimensões".

Em qualquer caso, há uma regra fundamental, que implica bom senso: "O importante não é ver o próprio automóvel e, sim, o trânsito", aponta Rubio.

Ranking da visão

Há um ranking criado pelo Cesvi Brasil, órgão independente de segurança veicular, que é atualizado desde 2007 e elenca os carros segundo critério próprio de visibilidade. A classificação vai de meia estrela a cinco estrelas e leva em conta médias aritméticas de testes de visão dianteira, lateral e traseira para determinar quais são os veículos que têm uma área menor de pontos cegos.

As medições dianteiras usam obstáculo de aproximadamente 1,10 metro de altura, que ao mesmo tempo simula postes e motocicletas. Para a traseira, são utilizados obstáculos de 60 centímetros de altura -- isso representa a altura da linha dos ombros de uma criança de 3 anos, grandes vítimas de atropelamentos em manobras.

Ao todo, 280 versões de diferentes modelos são classificados. Apesar do número, as montadoras ainda não são obrigadas a participarem deste ranking e marcas como Mercedes-Benz sequer figuram na lista, enquanto diversas marcas não listam todos os seus modelos.

"Não há interesse [de algumas marcas], nem querem correr o risco de ser mal avaliadas", explica Alessandro Rubio, do Cesvi, que aponta que muitos dos testes ainda são feitos por colaboradores ou terceiros.

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Lei...

Todo carro no Brasil precisa seguir a Resolução 226 do Contran, que determina raio de visão dos espelhos e posicionamento. Tanto o externo esquerdo (lado do motorista) quanto o externo direito (lado do passageiro) são obrigatórios para automóveis fabricados desde janeiro de 1999. Retrovisor interno também não pode faltar em um carro de passeio, mas é dispensável em caminhões, ônibus e micro-ônibus. Modelos antigos (pré-1999) estão dispensados do retrovisor do lado direito: quem tem Volkswagen Brasília com um só espelho não precisa se preocupar com multa.

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tecnologia...

Curiosamente, a lei brasileira é uma das mais avançadas e já permite substituir os espelhos por micro-câmeras com monitor, aponta o Detran-SP. Não confunda com as câmeras de ré. As micro-câmeras, chamadas de "sistema mirrorless" (sem espelho), são aquelas posicionadas no mesmo local dos retrovisores, já comuns nos carros-conceitos como Mercedes GT Concept (foto), EQ Concept e também projetos de Audi e BMW.

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... e a prática.

Pois é: o sistema de câmeras ainda é muito caro e pouco confiável, deixando as ideias de fábrica para o futuro. Mesmo em pesquisa rápida por lojas locais, buscando por produtos não oficiais, a reportagem não encontrou nenhum kit no mercado que sirva de acessório para substituir retrovisores convencionais. Enquanto o futuro sem espelhos não chega, fique atento: conduzir sem retrovisor ou com ele ineficiente ou inoperante é infração grave, com cinco pontos na CNH e multa de R$ 195,23.

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