Genitália (quase) desnuda

Como o tapa-sexo virou uma peça fundamental - e polêmica - no Carnaval

Anderson Baltar e Osmar Portilho Do UOL, em São Paulo
Adriano Vizoni/Folhapress
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Pode parecer inacreditável, mas, até os anos 1960, as passistas das escolas de samba desfilavam com pudicos e inofensivos vestidos. As roupas mostravam pouco mais do que o joelho e o colo dos seios. Repletos de babados e bordados, os vestidos, muitas vezes, pareciam cópias dos modelitos com que Carmen Miranda encantou Hollywood nos anos 1940.

Nos anos 1970, os ventos da contracultura e da liberação feminina chegaram ao Carnaval carioca. Eram tempos em que Sargentelli emplacava na televisão programa de sucesso com as suas “mulatas que não estão no mapa”. As passistas começaram a usar biquínis e a ter um visual mais semelhante ao de hoje. 

A década de 1980 trouxe a abertura política no país e uma liberalização maior dos costumes. Em um momento em que a nudez, anteriormente proibida ou escondida com tarjas nas revistas, tornou-se um ato de liberdade feminina, o desfile das escolas de samba passou a ser um dos principais palcos para a exibição do corpo. Passistas e destaques com os seios de fora se tornaram comuns. Monique Evans (foto), com seu topless, marcou época como rainha de bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel. 

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

Ela mudou a história do Carnaval

Em 1988, surgiu uma personagem decisiva para a história da nudez no Carnaval: Enoli Lara. Pela União da Ilha do Governador, ela desfilou apenas de botas e com o corpo todo pintado. No Carnaval seguinte, a maior das audácias: no enredo "Festa Profana", sobre a história do Carnaval, ela foi para a avenida completamente nua, tendo apenas um véu como adereço.

O sucesso e a grita foram retumbantes: por causa da performance de Enoli, a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro) resolveu proibir, a partir do desfile de 1990, a apresentação da "genitália desnuda".

A proibição da nudez completa gerou inúmeras reclamações no mundo do Carnaval. Revoltado com o que considerou um ato de censura, Joãosinho Trinta elaborou, em 1990, para a Beija-Flor, o enredo "Todo Mundo Nasceu Nu". Em um dos carros alegóricos, o ator Jorge Lafond se apresentou com a genitália coberta, porém, com uma decoração que deixava bem claros os contornos. Após este fato, o regulamento foi aperfeiçoado. Estava proibida a "genitália desnuda ou decorada".

Virei uma lenda. Um eterno símbolo sexual do Carnaval. A nudez é um ato performático, um exercício de liberdade, é a fantasia da alma

Enoli Lara

André Durão/UOL André Durão/UOL

Hoje escritora e artista plástica, Enoli crê que há um certo retrocesso no Carnaval, principalmente na falta de liberdade dos sambas-enredos, principalmente com temas biográficos ou patrocinados por marcas.

Há um conservadorismo subliminar e sem critérios. Antigamente os enredos traziam sátiras políticas com críticas bem-humoradas, quase sem censura

Marcos Bezerra/Futura Press Marcos Bezerra/Futura Press

O tapa-sexo e o "jeitinho brasileiro"

Com os anos 1990, um apetrecho surgiu no mundo do Carnaval: o tapa-sexo. Foi a forma que os carnavalescos encontraram para conseguir proporcionar momentos de nudez quase total na avenida, sem causar danos às suas escolas.

Um dos primeiros casos bem sucedidos foi o da modelo Melissa Benson, da Imperatriz Leopoldinense, que, em 1992, desfilou quase inteiramente nua embaixo de uma cascata artificial. Neste mesmo Carnaval, um adesivo mal colocado no modelo Torez Bandeira fez a Beija-Flor ser penalizada no artigo da “genitália desnuda”. A perda de pontos ocasionou a demissão do carnavalesco Joãozinho Trinta.

Em 2008, a modelo Viviane Castro (foto abaixo) desfilou na São Clemente como musa. Segundo ela, o corpo estaria protegido por um artefato de 3,5 cm de espessura e da cor da pele. Sua explicação não convenceu à Liesa, que tirou 0,5 ponto da escola de Botafogo, que acabou rebaixada.

Antonio Lacerda/EFE Antonio Lacerda/EFE

A regra é clara (ou não)

No Rio, o regulamento mantém o texto estabelecido no início dos anos 90: "Artigo 26 - Além de outros deveres expressos no presente Regulamento, cada Escola de Samba tem a obrigatoriedade de: V - impedir a apresentação de pessoas que estejam com a genitália à mostra, decorada e/ou pintada."

Já em São Paulo, o regulamento da Liga SP não cita punições específicas por nudez, apenas por "comportamento inadequado". Enquanto o Manual do Julgador diz que: "O julgador não deverá levar em consideração para atribuir as notas: c) A presença de desfilantes com a genitália à mostra, decorada e/ou pintada".

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Afinal, como se coloca o tapa-sexo?

E o truque pra tirá-lo

Por ser tão pequeno, o tapa-sexo necessita de uma aplicação especial, que pode ser com um encaixe ou colado na pele com o auxílio de um emplastro adesivo, daqueles usados em lesões musculares.

Renata Frisson, a Mulher Melão, conta um truque para aplicação e um para retirada do acessório. “O emplastro demora algumas horas pra tirar. Você tem que ficar de molho na água quente numa banheira pra gente conseguir se livrar dele totalmente. E tem que estar raspada, sem nenhum tipo de pelo pra conseguir utilizar”, conta.

O emplastro garante que, caso o adorno caia ou se mova, a genitália não fique exposta, o que causaria a perda de pontos da agremiação.

Fernanda Lacerda, conhecida pela personagem Mendigata do extinto “Pânico na TV”, teve um incidente quando foi apresentada na quadra da Grande Rio, em 2015. "Suei tanto que no final escorregou e não grudava mais. Eu não sabia se continuava sambando porque estava com ele na mão. Não sabia se as pessoas estavam reparando no que tinha acontecido”, lembra, aos risos.

Amo usar tapa-sexo. A mulher fica muito sexy, os homens adoram. Recebo muito mais cantada quando estou de tapa-sexo do que quando estou com uma fantasia normal.

Renata Frisson

Balança, mas não cai?

Musas respondem se dá para sambar com o tapa-sexo

Iwi Onodera/UOL Iwi Onodera/UOL

Dani Sperle

"Na primeira vez, fiquei com um pouquinho de medo, mas vi que era tranquilo, confortável e seguro. Eu adorei."

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Renata Frisson

"Na primeira vez que desfilei, pisei na avenida de tapa-sexo e topless. Me senti muito confortável, muito livre. Não vejo a fantasia um pouco mais nua como algo vulgar."

Leo Franco/AgNews Leo Franco/AgNews

Ju Isen

"Usei em 2015 a primeira vez. O menor foi com 3 cm. Não incomoda em nada. Já usei os dois e prefiro o de encaixe. O de colar nunca mais."

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Fernanda Lacerda

"Não incomoda não. É tanta adrenalina, emoção. Eu não sinto incômodo, nem peso da fantasia, nada. Vou e me jogo na avenida pra curtir."

Alexandre Scneider/UOL Alexandre Scneider/UOL

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